sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

LEMBRANÇAS DO TERROR-Bosco Teixeira


LEMBRANÇAS DO TERROR é uma série de depoimentos, publicados no Jornal de Natal em meados de 2006, de cidadãos que enfrentaram a ditadura militar no Brasil, foram privados dos seus direitos políticos, e compõem uma lista de 87 anistiados políticos com processos junto ao Ministério da Justiça. O primeiro a relatar as experiências vivenciadas foi o professor aposentado do IFRN/RN, João Bosco Araújo Teixeira. “A minha opção pela construção de uma sociedade socialista começa, por incrível que pareça, com comportamentos extremamente solidários da parte da minha mãe. Ela tinha dó, tinha pena das pessoas que passavam muita necessidade e nos colocava para dar comida para as pessoas humildes. Então, era a caridade do socialismo cristão. Quando passei a ser preso, perseguido, ela dizia: mas meu filho porque você entrou nisso? E eu dizia, mãe foi a senhora que me ensinou a gostar das pessoas desamparadas, tanto pela lei como economicamente”. Era assim que o professor João Bosco Araújo Teixeira, 56 anos, Doutor em Psicanálise Clínica, justificava para a mãe, Severina Teixeira, a opção ideológica dele. Além dessa veia cristã, Bosco sofreu a influência dos hábitos de leitura das suas irmãs, Jandira, Zuleide, Paula Frassinetti e da leitura dos jornais recebidos pelo seu pai, José Teixeira.

Com 15 anos, João Bosco ingressou na Juventude Estudantil Católica – JEC, coordenada pelo padre Otho Santana, que fazia reuniões nos finais de semana com os jovens. A JEC passou a ser dirigida por Dom Antônio Costa, que não tinha a mesma visão crítica dos problemas e dos textos discutidos, o que começou a inquietar o jovem Bosco, pelo fato de não haver um trabalho prático. “Em 1966, Brasília Teimosa tava na maior efervescência, construindo barraco, a polícia destruía o barraco, construíam o barraco, daí vem o nome Brasília Teimosa; Mãe Luíza tava crescendo como uma grande favela. Eu sempre propunha que a gente partisse da teoria e fosse para a favela ajudar as pessoas. A gente nunca ia para a prática, realmente. E aí eu comecei a me desencantar com o trabalho”, relatou.

Em 1967, houve o Encontro Latino-Americano dos partidos comunistas, em Havana, Cuba, e o Partido Comunista Brasileiro – PCB, se dividiu em vários partidos. No Brasil foram criadas 17 organizações revolucionárias, e muitos jovens da antiga JEC foram para essas organizações. O jovem Bosco se integra, nesse mesmo ano, ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR. A base de apoio do partido era formada por estudantes do Atheneu norte-rio-grandense e das Faculdades de Direito (com Juliano Siqueira) e de Engenharia.

A partir daí começam a ocorrer as expropriações de bancos para captar recursos que possibilitassem manter as pessoas na ilegalidade, por orientação de líderes partidários nacionais, como Apolônio de Carvalho. “Quem me apresentou os primeiros documentos do PCBR foi Luciano de Almeida, jornalista que trabalhava na República, que foi o preso que passou mais tempo na cadeia. Éramos um grupo muito reduzido e a imagem que eles faziam era de que nós éramos terríveis, comedores de fígado de crianças, assassinos natos, e a população se pudesse entregava a gente. Foi um movimento de pequeno-burguês, porque era quem tinha acesso na época à escola, a estudo, a livros, então era a classe média. Quando saiu o Ato Institucional nº5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, todos partiram para a clandestinidade e os contatos ficaram dificílimos. Até esses colegas que davam apoio básico, passaram a ter verdadeiro medo, terror de encontrar-se com a gente. Naquela época eu era da seleção de Basquete do estado e era uma pessoa conhecida por muita gente. Pessoas que não eram politizadas trocavam de calçada quando vinham de frente com a gente, colegas que jogavam com a gente, colegas de colégio. Quem nos conhecia, temia, a ditadura odiava e a população nos temia também”, desabafou.

Em 1967, por mobilizar os 3.000 colegas do Atheneu norte-rio-grandense, junto com outros líderes, contra a construção da biblioteca Câmara Cascudo, no espaço que ocupava 03 quadras esportivas da escola, o professor foi vítima de um inquérito administrativo. “Nós achávamos que a biblioteca era extremamente bem-vinda, mas que fosse em outro espaço. Se Natal hoje tem espaço para construir, naquela época tinha demais, demais. Procuramos falar com o secretário de Educação, Dalton Melo, e ele não nos recebeu. Todo o diretório foi expulso; colocaram correntes para a gente não entrar e nós quebramos as correntes e entramos na marra”, afirmou.

Após a decretação do AI-5, Bosco foi se esconder com um simpatizante do PCBR, Anchieta Jácome, estudante do Instituto Padre Miguelinho, que o levou para a fazenda da família, em Mulungú, município de Pendências/RN. Teixeira passou um mês escondido, sem a família saber notícias suas. O jovem estudante resolve voltar a capital e pedir a um colega para fazer contato com os familiares. A família solicita a Bosco que volte, porque não há nada contra ele. Apenas havia chegado uma correspondência, para depor no 16º Regimento de Infantaria. “Por inocência minha e da minha família eu vim e eles me prenderam”, falou.

Ao sair da prisão, após 45 dias em uma sela de (1,20m) dormindo em um colchonete, estava reprovado, expulso da escola e enquadrado no Decreto-Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, decreto específico para funcionários públicos e estudantes, que cassava os direitos políticos por 10 anos, sem o estudante poder participar de concursos públicos e estudar em escolas públicas. Conseguiu terminar o segundo grau dando aulas de educação física, em troca da mensalidade da escola, já que a família não podia pagar escola particular, no antigo colégio sete de setembro, rua Seridó, hoje UNP.

Quando seqüestraram o embaixador americano, Charles Burke, em setembro de 1969, no Rio de Janeiro, foi novamente preso. Segundo o seu relato, estava conversando com um jornalista que atua em um dos veículos da capital. Sem querer citar o nome, afirma que o mesmo foi o responsável pela sua prisão. “Quem seqüestrou foi a ALN e o MR8. Nós não tínhamos nada a ver com o seqüestro”, assinalou.

Casado e com uma filha, o professor sai de casa as cinco da manhã, em direção ao INPS da Ribeira, para retirar uma ficha para o médico, já que a filha, com um mês de nascida, estava com infecção intestinal. De frente ao Colégio Salesiano, diante de funcionários do jornal A República, foi algemado e preso. Para sua sorte, o motorista da viatura, nervoso, bateu em outro carro, e ao descerem o professor foi visto por um conhecido. Bosco aproveitou a oportunidade e pediu para que o conhecido avisasse a família que mais uma vez ele havia sido preso pelos militares.“Um major mandou eu me aproximar da cela, deu um tiro na minha testa, com pólvora, e disse que da próxima vez eu não saia andando de lá. O negócio agora pegou e eu tenho que me proteger mais”, avaliou.

Após essa experiência foi para São Paulo, em 1971, tentar ganhar a vida, sem qualquer contato ou referência, depois de muitos companheiros presos e outros mortos. Não podia ter a carteira de trabalho assinada por qualquer empresa, pois tinha que ir ao Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, pedir um documento de bons antecedentes. Essa era a prerrogativa para garantir a contratação.

O primeiro trabalho, em São Paulo, foi numa agência de empregos, arranjando emprego para os outros. João Bosco ficou com uma das vagas disponíveis na empresa de Roberto Oliveira Produções, atualmente profissional da Rede Bandeirantes de televisão, que vendia long play nas ruas. Segundo o professor era um trabalho duro, sem folgas, sem feriados e dormindo em uma pensão, durante um ano. Teve que voltar em função da segunda gravidez da esposa, que inspirava cuidados, e aí um novo depoimento para explicar o que foi fazer em São Paulo.

Ao todo foram nove processos, sendo um dos últimos quando o professor Waldson Pinheiro foi candidato a prefeito de Natal e João Bosco era presidente regional do Partido Socialista Brasileiro – PSB, na década de 80, pelo fato das ruas estarem pichadas com propagandas do candidato a prefeito. Após toda essa fase de militância político-revolucionária, o professor Bosco resolveu cuidar da vida profissional e tentou um concurso público para o Programa Nacional de Ensino Médio – PREMEM, em que foi classificado em primeiro lugar, e ao remeter a documentação não enviou o atestado de bons antecedentes, contando com o apoio de uma funcionária do órgão responsável e simpatizante da causa revolucionária. Eles acreditaram que devido ao grande número de inscritos passou despercebido, pelo órgão competente, o nome do professor.

Em 1972 foi contratado pelo estado, como professor de Educação Física, em nível de licenciatura curta. A partir de 1975, trabalhou na Tv universitária -TVU - como produtor de programas culturais. Posteriormente conseguiu uma bolsa de estudos para a Alemanha, com duração de um ano e oito meses. Ao retornar ao Rio Grande do Norte, volta a TVU e por não se identificar com a linha adotada pela direção da emissora, início dos anos 80, solicita transferência para uma escola, já que a Tv era estadualizada.

O secretário de educação da Prefeitura de Natal, em 1981, professor Geraldo Queiroz, o convida para coordenador de atividades culturais, que foi o embrião da Secretaria Municipal de Cultura e posteriormente da FUNCART. Nesse mesmo ano é classificado em primeiro lugar, no concurso para professor do município.

Em 1982 sai candidato a vereador, pelo PMDB, e perde a campanha por 12 votos. Com a morte dos vereadores Souza Silva e Maria Queiroz (Baía), Aluízio Alves não lhe permite assumir, já que era suplente, optando por outro candidato eleito.

No primeiro concurso para professor do Centro Federal de Educação Tecnológica –CEFET, em janeiro de 1985, na época, Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte – ETFRN, o professor Bosco foi reprovado e requereu revisão de prova através de outra banca examinadora, obtendo a aprovação no concurso. Após essa aprovação, o professor se desliga da atividade de professor do estado e em seguida do município e fica dedicado exclusivamente ao CEFET, até o ano de 1995, quando a escola foi campeã norte-nordeste de basquetebol.

Com a vitória de Cristovam Buarque, em Brasília, sua irmã, Zuleide Teixeira, assessora técnica da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, o indica para consultor na área do trabalho, onde o professor conseguiu a sua redistribuição do CEFET para a Universidade de Brasília (UNB) e entra para o mestrado em Ciências políticas; logo após o doutoramento em Psicanálise Clínica.

Depois de nove anos em Brasília, aposentou-se em 2005, está escrevendo um romance e fazendo uma pesquisa na linha da lingüística comparativa, sobre o movimento político de 1935 e um ciclo de debates a nível nacional, além da intermediação do trabalho de extensão do CEFET para as cidades do interior.

“Eu sou um comunista no sentido lato da palavra. Sou e estou forçado a viver numa sociedade que é deplorável. Sei que o único bem dessa sociedade é o capital, e eu discordo inteiramente. A sociedade é extremamente cruel, as pessoas rezam, comungam, falam em Deus a todo o momento, mas tem gente morrendo de fome ao lado e as pessoas fazem de conta que não vêem. A nossa elite é extremamente distante do saber e da cultura. É uma elite burra. A nossa elite não participa, não abraça a nação como um todo. Ao contrário, a nação é pra ser roubada, furtada. Nação, quando eu digo, é terra mais povo. Eu continuo a achar que o socialismo é uma linha de trabalho correta”, concluiu Bosco Teixeira.